XI CAMILLE CLAUDEL (1864-1943) MULHER , ARTISTA , ESCULTORA e ... MULHER ALÉM DE SEU TEMPO
- Liana Rosemberg
- 7 de abr. de 2022
- 9 min de leitura
Vida e obra
Vou iniciar esse post com uma curiosidade . Na última década do século XIX foi lançada uma moda que tomou as ruas de Paris : O mais inusitado o sucesso da popularidade da bicicleta provocou uma revolução social inesperada . Saindo da crisálida dos corpetes e saias complexas as mulheres tomaram as ruas vestidas com trajes masculinos , finalmente livres para mover-se e fisicamente ativas! Evidente que houve resistência da população em geral , e os políticos detestaram a perda do controle sobre o guarda-roupa das mulheres e em outubro de 1892 o Primeiro Ministro lançou o decreto “a vestimenta masculina pelas mulheres só será tolerada no propósito do esporte a bicicleta .” (Weber, Eugen "France au fin de siècle" Cambridge Havard University Press 1986 p 37.) A resistência chegou a canção popular Frou Frou celebrando o apelo sensual das saias , mas atraentes ou não, as mulheres modernas cantavam Frou Frou mas mantinham a nova conquista . Maria Pognon em 1886 presidindo o primeiro Congresso Feminista levantou um brinde a igualdade louvando a bicicleta . ( Ibid , p. 203) . Entretanto Camille Claudel , que considero uma mulher além de seu tempo , não demonstrou interesse por essa liberdade , permanecendo fiel as suas saias até o final . Interessada exclusivamente na sua arte vivia como reclusa no seu ateliê . Acredito que por pertencer a uma família burguesa católica, com determinados valores morais e tradição tiveram um peso grande na sua escolha . (opinião dessa historiadora , pelo desenrolar de fatos anteriores e posteriores) .
Camille mudara-se para a Île Saint Louis , um aluguel mais acessível e local mais sossegado . Seus poucos visitantes frequentemente ficavam seduzido pela serenidade do local . Henry Asselin a visitou em 1904 e mais tarde relembrou sua primeira visita e “a alegria da escultora ao trabalhar longe dos olhos curiosos , como qualquer um ....“e provavelmente com mais convicção do as mulheres ciclistas , ela cantava Frou Frou .”
(Asselin, Henri “La vie doulourose de Camille Caudel” Radio Broadcast 1946, datilografado por Paul Claudel. Papiers Bibliotèque Nationale Archives : “Dossier Camille Claudel .”p. 441-42)
Outra visitante foi a jornalista Gabrielle Réval com a intenção de escrever um artigo sobre a mulher vista como a maior escultora da França . Ao adentrar o ateliê viu uma “forma confusa ,debruçada sobre um mármore , um cabelo castanho amarrado atrás com uma fita vermelha .” Camille pousou o cinzel e disse sorrindo “ Você me encontrou trabalhando , desculpe a poeira de minha blusa , eu esculpo meu mármore detesto confiar o trabalho ao zelo de um assistente”
Réval admirou o esplendido mármore o qual era a versão de Sakuntala renomeada Vertume et Pomone . Réval finalizou a entrevista com um tributo a escultora “Mademoiselle Claudel é a completa figura do gênio feminino” . (Réval, Gabrielle “Les Artistes femmes au Salon 1903” Femina 1 Mai 1903 p.520) .
O artigo , uma das maiores peças devotada a Camille Claudel na virada do século foi publicado na revista Femina em 1903. Todos os escritores dividiram a admiração irrestrita por uma mulher vista como um gênio , um grande entusiasmo por sua escultura e uma certa curiosidade sobre ela como pessoa e uma preocupação pelas dificuldades que podiam adivinhar por detrás de sua maneira espartana de viver . A originalidade e vigor da escultura elogiada pelo novelista Henry de Braisne , a maior artista mulher do presente segundo a famosa crítica Camille Mauclair , o artigo de 46 páginas , publicado em 1898 , de Mathias Morhardt detalhando fatos da vida e do trabalho de Camille com a intenção de aguçar a curiosidade do público em geral e a levar colecionadores à sua porta , indica que inquestionavelmente Camille ganhava reconhecimento como uma escultora importante . Entretanto em 1899 seu círculo de compradores não fora além do pequeno grupo de leais apoiadores que encontrara trabalhando com Rodin: o próprio Morhardt , o banqueiro Joany Pleytel , o industrial Maurice Fenaille , o pintor Fritz Thaulouw e o servidor público Henri Fontaine . O conde e a condessa de Maigret ao comissionar um busto e logo após o Perseu .
Ao lado de obras como L`Age mûr e Vertume et Pomone ( Sakuntala) as recentes obras expostas no Salon não eram interessantes como as anteriores . Eram pequenas peças charmosas descrevendo mulheres melancólicas junto a lareira . Faltam-lhes a chocante originalidade e simbolismo de suas outras esculturas , pequena apenas uma cena de gênero , mais peças decorativas que esculturas !
Camille Claudel Profonde pensée
mármore 1889

Camille Claudel Profonde pensée bronze 1889

Camille Claudel Rêve au coin du feu
ou Intimité gesso 1903

As duas chaminés pertencem a uma série de estudos sobre a natureza parece que obteve certo sucesso comercial , explicando sem dúvida as versões tão próximas . É raro encontrar na estatuária tais cenas que os escultores muitas vezes realizavam para edição de objetos em porcelana ou faiança . Se a miniaturização das cenas evocam as "Causeuses" a realização bastante anedótica da Intimité exprime as modificações intervenientes no estilo da artista depois de 1898 e explicam a originalidade de um grupo que conhece a vantagem da pintura sobre a escultura . Se a primeira Chaminé com o personagem de joelhos possuía algum valor alegórico nos obriga a constatar que L`Intimité é essencialmente ilustrativa , que se confirma no realismo de detalhes evocando inúmeras cenas de pintura de gênero pintados por pintores dedicados a temática próxima e contemporâneos do grupo de Camille Claudel . O mármore do Rêve a coin au feu apresentado pela primeira vez na Exposição 1900 , depois cinquenta exemplares do grupo foram fundidos em bronze por Eugéne Blot em 1905 . O grupo em mármore pertence a coleção particular da Condessa Maigret. A tradição familiar dos proprietários querem que a obra represente a mãe de Camille , a testa apoiada sobre lintel da lareira .
Camille Claudel La petite Sirène ou
la joueuse de flûte 1900-1905

Eugene Blot, 1905
Camille Claudel fez La Sirène ou la Joueuse de flûte por volta de 1904-1905. O fundador Eugène Blot adquiriu o gesso para produzir seis cópias de bronze. É um desses exemplos que pode ser admirado no museu Camille Claudel.
Uma jovem de grande sensualidade, as costas arqueadas, a importância dos quadris acentuadas pelas pernas unidas, está sentada numa pedra. Sua mão direita toca uma flauta. Com a cabeça erguida, a mulher aproxima a boca do instrumento, mas não o toca. A respiração parece escapar de seus lábios, deixando imaginar uma música assombrosa. A leveza das cortinas, no estilo Art Nouveau, os dedos finamente modelados, acompanham o movimento dos braços, num vôo musical.
A escultora mencionou esta obra em várias cartas endereçadas a Eugène Blot. Na primeira carta, ela se oferece para lhe vender "um pequeno fauno". Então, em outra carta, ela compartilhou com ele uma ideia para uma versão incorporando ônix: "Você pode, se quiser, fazer uma de suas sereias com uma pedra de ônix verde (que lembra o mar); a flauta de metal brilhante". Esta versão foi, sem dúvida, considerada por Eugène Blot, mas nunca foi realizada .
Do fauno ou da sereia, criaturas mitológicas, Camille Claudel não reteve os aspectos monstruosos, mas a estreita ligação de cada um com a música e a sensualidade. A escultora não insistiu no aspecto perigosamente sedutor do flautista capaz de encantar o visitante? Existem duas versões a primeira tradicional ao mito da Sereia ; a segunda coloca a obra na série de estudos da natureza como uma simples flautista .
Segundo Blot era a peça preferida de Camille , pela alegria irresistível e liberdade que exalava da jovem entretida com sua música.
Camille Caudel Persée et Gorgone
mármore 1898-1905

Persée et la Gorgone realizada para a Condessa de Maigret , foi apresentada em gesso primeiro no Salon do Champs de Mars em 1899 e em mármore em 1902 . Esta grande escultura representa o herói grego Persée que matou a Medusa usando seu escudo para refletir sua figura como um espelho e cortando sua cabeça em seguida . Camille representa Persée de pé sobre o cadáver da medusa brandindo sua cabeça . Infelizmente o escudo quebrou-se . O interesse pela peça encontra-se além ao relembrar os primeiros trabalhos de Camille adolescente , David e Golias , em terra-cota e ainda em forma pobre que encantou Mohardt e aponta similaridades com o novo Persée . A Medusa, repõe Golias e Persée repõe Golias . Por outro lado , um desinquietante toque acrescentada a cabeça cortada da Medusa transforma a obra de Camille num pesadelo pessoal . O cabelo da medusa representado por cobras se torcendo da lenda , emoldura uma face deformada envelhecida , desgostosa e louca , esta face lembra a de Camille . Caravaggio antes dela , representou a si mesmo como a cabeça da louca Medusa , mas a decisão de Camille nesta época de sua vida trai uma pungente visão da tragédia que experimentaria tanto quanto o seu presente declínio físico . Um retrato tirado quando trabalhava na obra , mostra o estrago que os aborrecimentos e dificuldades pecuniárias e privações fizeram ao seu belo rosto . Camille utiliza um vocabulário estilístico de forma mais tradicional , afastando-se do realismo expressivo, uma obra entretanto na qual não faltam originalidade , um grupo um pouco desengajado da forma clássica mas de um concepção original . É uma obra completa sob todos os pontos de vista tão tradicional. Qual o significado exato deste investimento pessoal numa obra digamos tão tradicional? Tratar-se-ia de uma evocação de uma separação definitiva do mestre no momento da elaboração do grupo?

a obra se distancia da produção contemporânea . Camille nessa obra obteve uma precisa evolução na apreensão da matéria que pode ser compreendida como uma regressão , uma banalização . Com essa obra a artista encontra linhas de ritmo totalmente novo que marca uma mudança importante na sua carreira rompendo seja com o naturalismo expressivo dos estudos da natureza como das Caseuses , ou com o dramatismo alegórico de obras como L`age mûr a artista se distancia da arte de Rodin .

Detalhe das cabeças de Persée e Gorgone mostrando a possível semelhança nas feições de Gogorne com as de Camile Claudel
Retrato de Camille Claudel ao lado da obra .

A primeira impressão de prematuro envelhecimento se deve a diminuição da espontaneidade e do encanto da mulher valente que conservou seu senso de humor e sua alegria no meio de inúmeras dificuldades . A mesma impressão é observada na muitas cartas de Camille enviadas ao amigo Eugène Blot no inicio de 1900 . Os problemas financeiros são diários na ocasião , sem esperança de alívio no futuro de imediatas despesas de simples sobrevivência , como pagar o aluguel ou comprar comida , a pressionavam tanto quanto como pagar os assistentes ou modelos ocasionalmente ainda alugados . Blot como marchand de sua arte era uma das poucas fontes possíveis de dinheiro para Camille . Ela nunca pedia , mas tornava sempre seus pedidos em matéria bem humorada : “ Gostaria de saber se por acidente o senhor esqueceu de me mandar os últimos cinquenta francos esquecidos na nossa pequena conta “ ou “ me mande cem francos de futuras negociações , senão desparecerei num cataclisma . Margotini pede pelo pagamento da conta que me ameaça engolir inteira ; o dono da loja grita que me mandou alguns ovos que não foram pagos ; Adonis mais uma vez vai me procurar (não queremos dizer que nessa época Venus estava atrás dele) . A ameaça era bem real . Camille teve que estar mais uma vez em frente a corte de justiça . Um incidente que relata com humor a Blot depois de anotar que “contas de mil francos são tão raras na praça de Paris que frequentemente passa pelo cais Bourbon sem parar !” (Radio Broadcast , 1956 em Cassar “Dossier Camille Claudel” ,p.442 Papiers Bibliothèque Archives Nationales
Após o caso de “L`Age Mûr” ajudar Camille tornou-se mais difícil com a total separação de Rodin . Morhard permaneceu como intermediário e foi com o dinheiro de Rodin que comprou de volta o gesso “La Vague” de Henri Fontaine pelo direito de reprodução . Com a rejeição de Camille a Morhardt , já aludida anteriormente na questão Dreyfus , esse foi substituído por Joanny Peytel . Graças ao arranjo Rodin-Peytel , Camille pode alugar o escultor François Pompon para esculpir duas versões de Persée que a saúde abalada não a permitiu de esculpi-los ela mesma como sempre fizera . Rodin depois de 1902 parou de ajuda-la após uma carta aonde escreve Camille
......Mas não tenho mais espírito de ser desiludida pelo demônio astucioso e falso caráter (mestre de todo nós, ele diz) cujo maior prazer é se aproveitar década um” (ibid,p.451)
Entretanto no Círculo de Rodin alguns tentaram conseguir comissões e compradores para Camille . Gustave Geoffroy , em 1904 , um amigo de longa data , admirador da obra e crítico tentou que Camille fosse a escultora da estátua do herói e revolucionário Louis-Augusta Blanqui da cidade de Puget-Théniers . Depois de muitas propostas a estátua foi realizada por Aristide Maillol .
Louis-Prosper Claudel , seu pai , sempre a ajudou , mesmo após perder a fortuna . Camille era totalmente dependente as família pois suas despesas ultrapassam o ganho da venda de suas obras . Não importa o quanto devotado era Eugène Blot podia ser , jamais teria o poder de um Rodin . Camille encontrava-se num impasse para melhorar a situação financeira , ou se tornava professora ou trabalhava num ateliê que estivesse disponível , ambos virtualmente impossíveis tanto pela saúde frágil como seu hábito recluso .
Gostaria de pontuar o fato que fez Camille voltar-se contra outras mulheres artistas . Possivelmente sua relação bastante desditosa com a mãe e a irmã foi a causa . Seus modelos eram destituídos de poder cívico ou político, totalmente dependentes de seus pais e maridos ! Mas como informei acima as coisas estavam mudando e algumas mulheres desfazendo-se de suas roupas restritivas pelas janelas , outras mulheres estavam desafiando os papel tradicional que lhe eram atribuídos .
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