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Olímpia e a leitura fascinante de uma obra

  • Liana Rosemberg
  • 11 de ago. de 2020
  • 4 min de leitura


Olympia 1863 1.30 x 1.90 óleo sobre tela Musée D`Orsay Paris. Apresentada no Salon de Paris em 1865





Observem que nesta obra de Edouard Manet , também a figura encontra-se em primeiro plano. Não há tridimensionalidade espacial . A diferença de planos é estabelecida segundo as diferenças de claro e escuro . Como na figura anterior o primeiro plano é determinado pela meia parede . Observem que , o fundo neutro provoca uma indeterminação do local da cena , e é pelo contraste do fundo escuro e a figura clara , precisamente delineada, que se encontra em evidencia . A posição da figura é semelhante a da Venus de Urbino , entanto , essa encontra-se quase sentada ; a cabeça levantada olhando fixamente e desafiadora o espectador , almejando estabelecer uma relação coloquial . O contraste estabelecido entre a linha do ombro e braço contra a textura da seda das almofadas , o contraste da linha de seu corpo com a manta de seda sobre a qual se recosta , a mão escondendo o pelo púbico , a posição da perna cruzada de forma a evidenciar o pé calçado , o fato de se apresentar com uma flor vermelha sobre o cabelo ruivo , um laço de veludo preto ao pescoço , pulseira , brincos , e chinelos de salto , acessórios , que reforçam sua nudez e a identificam como um tipo de mulher da época , são elementos que não só patenteiam como reiteram a sensualidade da figura !

A criada negra que lhe traz um buquê de flores , o gato preto que se encontra aos pés da personagem , tal como aconteceu com as aias e o cachorro da personagem anterior ajudam a melhor compreensão de que a figura é uma mulher real e não uma metáfora . Portanto , o titulo reafirma o que a imagem diz , dando-lhe um nome próprio ou quem sabe um nome de guerra , pois Olímpia era um nome que genericamente definia as prostitutas de Paris, (les demi-mondaine) um escândalo ! Houve de fato uma intenção de sensualidade direta que chocou o público . Esta é sem sombra de dúvida a “nini de Renoir” --- a fascinação do real feminino retratado na resposta do pintor ao corpo de seu modelo ou amante .

O quadro de Manet buscou inspiração na Venus de Urbino de Ticiano , entretanto , Manet modernizou a tela de Ticiano ao aproveitar quase os mesmos elementos sob uma nova gramática pictórica . Vejamos : ao recortar a figura do fundo , enfeita-la sob certa forma convencional , ao definir um olhar direto , imperturbável , de desafio ou convite , o pintor de forma intencional , retrata uma prostituta , típica de Paris da Belle Èpoque facilmente reconhecível , e para culminar o gesto , lhe forneceu um nome ! Tanto mais intencional quando se documenta que o modelo era Victorine Meurent , que em alguns textos aparece como tendo 16 anos e em outros cerca de 30 anos , cujo corpo gracioso , mulher nos seios e quase garota nos quadris , prestava-se ao equívoco da infância ultrajada . A jovem era o modelo predileto de Edouard Manet.

O pintor não se utiliza de qualquer metáfora , apresenta uma mulher nua identificada não só através do título , como dos atributos utilizados pela personagem e pela atmosfera que a cerca . Olhem a tela com cuidado , o erotismo de Olímpia está reafirmado nos adereços luxuosos carregados de simbologia : a orquídea vermelha em seus cabelos ruivos possui poderes afrodisíacos ; as pérolas são atributo de Venus símbolo essencial da feminilidade , a pequena sandália de salto é símbolo de identidade pessoal no caso da prostituta e pode ser interpretado como símbolo sexual ou ao menos do desejo sexual escondido no pé , que segundo interpretações freudianas e jungianas teriam significação fálica . Já não foi moda no século XIX , relatada por alguns romancistas , tomar champanhe tendo como taça o calçado feminino ?

O ambiente conduz a uma leitura onde a sensualidade é fator preponderante . O xale de seda jogado sore o divã , e sobre o qual repousa o corpo nu prefigura um contato sensual entre o corpo e a textura macia da seda . As flores que a ama traz sob a forma de um buquê , podemos interpretar como oferecido por um admirador da jovem que tenta conseguir sua atenção ou já a obteve . O gato preto no meu entender , baudelairiano, com o corpo sinuoso , pelo macio , andar sorrateiro , simbolizaria a afetividade , a inconstância , ou seria símbolo da sensualidade feminina ? Abaixo o poema de Charles Baudelaire



O Gato

Dentro em meu cérebro vai e vem

Como se sua casa fosse

Um belo gato, forte doce .

Lhe ouça o fugaz timbre discreto;

Seja serena ou iracunda,

Soa-lhe a voz rica e profunda

Eis seu encanto mais secreto.

Lhe ouça o fugaz timbre discreto;

Seja serena ou iracunda,

soa-lhe a voz rica e profunda

Eis seu encanto mais secreto

Essa voz, que se infiltra e afina

Em um recesso mais umbroso

Me enche qual verso numeroso

E como filtro me ilumina


Os piores males ela embala

E os êxtase todos oferta;

Para enunciar a frase certa

Não é com palavras que fala.

Não existe arco que morda

Meu coração, nobre instrumento,

Ou faça com tal sentimento

Vibrar-lhe a mais sensível corda

Que a tua voz ó misterioso

Gato de místico veludo,

Em que como um anjo, tudo

È tão sutil quanto gracioso!


2

De seu pelo louro e tostado

Um perfume tão doce flui

Que uma noite ao mima-lo, fui

Por seu aroma embalsamado

É a alma familiar da morada;

Ele julga, inspira, demarca

Tudo que seu império abarca;

Será um deus, será uma fada?

Se neste gato que me é caro,

Como por imãs atraídos,

Os olhos ponho comovidos

E alí comigo me deparo,

Vejo aturdido a luz que lhe arde

Nas pálidas pupilas ralas,

Claros faróis, vivas opalas,

Que me contemplam sem alarde.








 
 
 

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