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A modernidade e o lúdico

  • Liana Rosemberg
  • 13 de ago. de 2020
  • 6 min de leitura

Bananasplit o sorvete serve como inspiração para o artista da Pop Art Mel Ramos



“A banana Split” é um sorvete cujo maior sucesso ocorreu na década de 1950 e é representativa da cultura americana . Constitui-se de uma taça no formato navete na qual ao fundo é colocada uma calda de butterscotch (sabor de açúcar queimado) e sobre a qual são aninhadas duas metades de banana ,que fornecem o nome – banana Split – ou seja a banana cortada ao meio . Sobre as metades da fruta são colocadas três bolas de sorvete nos sabores : morango , creme e chocolate cujas cores rosa , amarelo , marrom são contrastantes . Entre os sorvetes é colocado o creme chantilly com uma bomba de confeitar e sobre o sorvete do meio uma flor de creme de Chantilly encimado por uma cereja ao maraschino e espalhada por toda a composição castanha do caju triturada e pequenos pedaços de nozes. O aspecto visual é colorido e agradável como pode ser observado na fotografia . O paladar gostoso é indescritível pois , o sabores se misturam em deliciosa confusão . O aroma do chocolate predomina sutilmente sobre os demais . E quanto ao valor nutritivo , equivale a uma refeição , pois é capaz de satisfazer qualquer apetite . Sentar-se numa confeitaria da época e saborear um Banana Split constituía-se num infinito prazer . Eu mesma afirmo ser prazeroso .


Em 1970 o pintor Mel Ramos realizou uma obra intitulada Bananasplit , a ideia é a mesma do sorvete . Na taça na forma de navete , encontra-se a banana , a cereja , a noz , mas substituindo os sorvetes , o creme chantilly , deparamo-nos com uma figura feminina nua , jovem , de formas esculturais , olhando provocativamente apesar ou talvez pelo tédio que demonstra, reclinada não sobre almofadas , mas sobre as bananas. A figura do nu feminino como já foi analisado e visto nos segmentos anteriores , possui uma conotação erótica/sensual pertencente a paixão do amor . A figura nua reclinada sobre bananas , é sugestiva e provocante como as duas anteriores ( Venus de Urbino e Olímpia) também esconde o sexo , enquanto que os seios na sua forma realista , as linhas bem delineadas do abdômen e das pernas , a marca do biquini enfatizando , evocando o sexo bem guardado e oculto pela posição das pernas fletidas , são detalhes que determinam aspectos da identidade sexual do corpo . Ao observarmos a figura torna-se claro que existe um quê de apelação , talvez pela percepção da linha sinuosa , escorregadia , sensual que corre da cabeça , abdômen , pernas , chegando ao pé, talvez pelo rosto de expressão misto de ingenuidade e tédio, parece lembrar a personagem Lolita do romance de Nabokov , que deu origem a figura da ninfeta .


Observando a tela percebe-se que o pintor a partir de símbolos eróticos reafirma o erotismo presente na obra . O autor se utiliza da banana como símbolo fálico de forma bem explícita; a noz , que além de ser uma fruta afrodisíaca , lembra a forma do cérebro humano . É bem conhecida pela filosofia psicanalítica a importância do psiquismo humano e suas relações com o desejo amoroso e sua simbolização . Parece-nos que a intenção de Mel Ramos seria de chamar atenção de que sua pintura se trata realmente de uma fantasia erótica , analisemos os fatos: as duas nozes seriam símbolos ; do inconsciente aquela que se situa atrás da figura , da qual só aparece a ponta ; do consciente aquela que se mostra por inteira . Esta seria o conhecimento de que a ilusão pode , através da fantasia , tornar-se uma realidade tangível através da percepção!!


Mel Ramos uma proposta lúdica



Mel Ramos no espaço da tela , pintou uma cereja vermelha de dimensão avantajada e estrategicamente colocada. No século XV Hyeronimus Bosch foi um pintor considerado o precursor do Surrealismo por suas obras simbólicas , dentre elas o Tríptico “O Jardim das Delícias” constituído por três painéis dos quais o central o mundo terreno no qual Bosch se utiliza de diversos símbolos retratando : a luxúria ; a vergonha ; a volúpia ; angústia e gozo sexual . Nesse painel a cereja é justamente o símbolo do gozo sexual ou símbolo da concupiscência (apetite sexual) está , portanto , o símbolo ligado ao desejo reprimido . O fato de a cereja aparecer no quadro de Mel Ramos , na sua dimensão avantajada e na localização maliciosa entre as pernas do nu feminino , podemos interpreta-la segundo o símbolo da concupiscência , do apetite sexual , e mais uma vez através do símbolo espectador pode ser levado a se identificar com a fantasia proposta pelo artista .


Uma análise formal da obra de Manet Olímpia indicou que é uma pintura realista aonde o artista realçou a feminina nua bem delineada contra o fundo neutro , com a luminosidade chamando a atenção do espectador para os aspectos sensuais da figura: as maçãs do rosto , a curva do ombro , a linhas dos seios , a linha do abdômen , as curvas dos joelhos finalmente a mão que pousada suavemente qual uma carícia sobre a coxa. Na tela de Mel Ramos a figura feminina nua também está realçada pela luz e sombra , também fita audaciosamente o espectador, a figura nua também chama atenção pela linha do corpo bem delineada nos seios, abdômen e nas pernas fletidas escondendo o sexo , e a mão pousa suavemente sobre a banana , como uma carícia propondo uma sugestão maliciosamente sutil . O pintor enfatiza a forma da banana , da noz , da cereja , e o próprio cabo da cereja bem recortado do fundo se transforma num símbolo fálico , uma redundância da simbolização da cereja !


Cabe a pergunta : pela preocupação com a representação do real , pelo colorido intenso , pelo recorte desta ilusão do real sobre o fundo verde contrastando violentamente com o amarelo da banana , a tonalidade rósea do corpo , a tonalidade sépia/arroxeada do cabelo, a ilusão do brilho da taça , cujo material aço inoxidável é inconfundível , não seria esse quadro mais uma peça ligada a publicidade? Até pela óbvia apelação erótica que o liga ao sorvete , percebe-se claramente que este apelo erótico se realiza através dos sentidos .


Sem dúvida houve a intensão do artista relacionar obra com o sorvete , uma criação anterior . Esta relação ocorre tanto no título “Bananasplit” quanto no aspecto visual permitindo uma interessante análise sobre os aspectos que provocam os sentidos . Ambos , sorvete e pintura possuem forte apelo visual , são muito coloridos , e de colorido agradável pela combinação e contraste de cores . Ambos apresentam uma solução estética visual que sensibiliza o olhar . O sorvete exala um delicioso odor de chocolate predominante que não chega a anular os demais odores dos outros sorvetes caldas e cremes . O sorvete é , portanto, agradável ao olfato . Ora , nada impede ao espectador , que na sua fantasia ao admirar a obra, lembre de determinado perfume evocado pela figura feminina .



Mulher flor versus mulher fruta


Permitam-me um parênteses para verificarmos a interessante passagem estética da “mulher flor” à “mulher fruto” . A “mulher flor” é metáfora mais antiga que a Bíblia, e segundo a ideologia renascentista dos séculos XV e XVI a “flor corpo” de mulher deveria ser delicadamente colhida pelo amante , a mulher é apenas retratada e visualizada . Essa visão metafórica já foi apresentada no presente texto , permaneceu até o século XIX quando a mulher não seria mais retratada , pintada para ser vista a distancia . A mulher passa a representar-se a si mesma na sua individualidade , convertendo-se de “mulher flor” intocável , idealizada em “mulher fruto” , quiçá , em “mulher caça” aquela que o homem persegue e devora sexualmente .


Mel Ramos ao substituir os três sorvetes que compõem o “Bananasplit” pela figura feminina nua , de belas forma , identificada sexualmente como fêmea , cercando-a de símbolos sexuais , retrata a “mulher fruto” , enfatizando a ideia através de caracteres sensuais tátil e oral presentes . Não ousa o pintor apresentar a figura de mulher dentro de uma taça a ser servida como uma deliciosa guloseima? Ao sorvete se liga a ideia de sabor , logo o sorvete comemos ; a mulher se liga a ideia do prazer em toca-la cheira-la , e possuí-la sexualmente . È parte do desejo amoroso , desejo muitas vezes não admitido , confundido que é com o puro apetite sexual , pulsão reprimida pelas exigências do ego . É então que ocorre a inserção da arte ao representar a ordem da sensualidade , como faz a arte de Mel Ramos ; a arte passa a desafiar o princípio da razão dominante através da lógica da gratificação . A fantasia erótica , ao se vincular ao princípio do prazer se opõe à logica da repressão , e a fantasia erótica se torna capaz de inovar a lógica do tabu . O que vemos e sentimos , representado de forma clara e inequívoca cujo título torna redundante a ideia , é a mulher para ser comida e saboreada até a última gota como é o sorvete .....deliciosamente , prazerosamente sorvido!


Para o espectador é possível ocorrer o fenômeno da catarse ; a obra ao lhe abrir as portas do jogo do amor pode leva-lo a conviver com seus fantasmas individuais através da “clivagem” da consciência ou do ego , pois ele estará lidando a um só tempo com o real-desejo e ideal-repressão .

Nossa intenção foi uma proposta de uma análise lúdica e analítica , esperamos ter alcançado o intento e a expectativa.












 
 
 

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